Dia Internacional da Mulher: Barezão 2023 tem a primeira mulher delegada de jogo da história
Aos 24 anos, Alícia Marinho fala da emoção de se tornar uma desbravadora no futebol amazonense e agradece a gestão ‘A floresta é a bola da vez’
Histórico! Neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, conheça Alícia Rodrigues Marinho, 24, que se tornou a primeira mulher a atuar como delegada de jogo, após 107 edições do Campeonato Amazonense de Futebol Profissional Série A. Por enquanto, ela é a única a assumir o posto, mas, o presidente da Federação Amazonense de Futebol (FAF), Ednailson Rozenha, garante que na atual gestão, elas têm oportunidades em todos os setores da Federação e admite que a presença de uma mulher como delegada é uma atitude tardia, mas necessária.
“Para nós, da Federação, mulher é coisa séria! Nós queremos encher o futebol amazonense de mulheres, na arbitragem, na administração. Nós temos a Alícia, a primeira delegada de um jogo de futebol profissional. Sentimos muito orgulho que ela tenha tido essa oportunidade na nossa gestão. Nós vamos trabalhar muito para que mais mulheres possam participar do dia a dia do futebol amazonense, para que mais mulheres se interessem por esse esporte, porque se nós tivermos mulheres envolvidas com o futebol, com certeza vai ter muito mais zelo, mais cor, mais vibração, mais credibilidade. A gente lamenta que a presença da mulher num cargo de delegada tenha acontecido após 107 edições do Campeonato, mas hoje, a realidade é outra. Elas estão aqui, firmes, fortes, capacitadas e merecem ser valorizadas e respeitadas”, declara.
Alícia Marinho, como é mais conhecida, integra um grupo de mulheres que estão cada dia mais presentes na Federação. Além dela, há também sete no quadro de arbitragem, sendo uma árbitra, a Elivane Trindade, e mais três profissionais na comunicação, inclusive, a jornalista Ennas Barreto, assumiu como a primeira Diretora de Comunicação na história da instituição. A delegada revela a emoção de se tornar uma desbravadora no futebol amazonense e agradece a gestão do presidente Rozenha, ‘A floresta é a bola da vez’.
“Me sinto muito honrada, pois sempre houve muita descriminação com mulheres no futebol, já que era considerado um esporte masculino. Hoje vemos o quanto isso está mudando, a prova é a oportunidade que conquistei na gestão do presidente, Ednailson Rozenha, como delegada. Eu me sinto extremamente orgulhosa e afirmo que todas as mulheres terão suas chances, basta acreditarem, se prepararem”, ressalta.
Quem é Alícia Marinho – A jovem sonhadora, apaixonada por esportes, nasceu no dia 02 de agosto de 1998, no município de Eirunepé (distante 1162 km de Manaus). Inspirada pela mãe, Maria José Ferreira Rodrigues, professora e empreendedora, que praticava esportes e sonhava em conquistar seu espaço, ela conta que força e determinação não lhe faltam para alcançar seus objetivos e, se for preciso, ir além.
“Desde que eu era pequena, minha mãe sempre foi exemplo, como mulher e desportista. Ela participava de campeonatos de voleibol em uma época que o mundo era muito machista, então, meu maior incentivo para acreditar no meu potencial como mulher veio de dentro de casa. Aprendi que determinação é palavra-chave para alcançar os objetivos. Ela é uma mulher muito forte, teve quatro filhos, trabalhou fora e, ao lado do meu pai, sempre foi uma verdadeira leoa e provou isso, quando perdemos nosso bem maior na família”, conta.
Do pai, João Marinho da Silva, empreendedor no ramo da construção civil, ela herdou a paixão pela engenharia. Após a conclusão do ensino médio, aos 19 anos, mesmo contrariando um desejo do pai que se preocupava com as condições financeiras para custear os estudos da filha, ela decidiu lutar por seus sonhos na capital amazonense. Em Manaus, escolheu cursar engenharia civil, com o principal objetivo de ter um diploma para assinar as obras do seu herói que tinha o dom, mas lhe faltava o principal: o registro profissional.
“Eu vim correr atrás dos meus objetivos, pois meu pai, mesmo sem formação tinha conhecimento e capacidade para executar obras. O que me influenciou foi o fato dele ter todo o conhecimento e, mesmo assim, ter de pagar engenheiros para assinarem as obras dele. Eu prometi que iria estudar e me formar para mudar a realidade do meu pai. Vim para Manaus em busca da formação para que eu pudesse ajudá-lo, mas no meu primeiro período de faculdade, ele faleceu e não tive a oportunidade de mostrar que ele tinha uma filha engenheira”, lamenta.
Quando perdeu o pai que, inclusive, era quem custeava seus estudos, Alícia ficou sem condições financeiras e ainda com a dor da ausência do seu herói, decidiu trancar o curso e voltar para o interior. Justamente quando ela teve a oportunidade para trabalhar na FAF e, assim, concluir o ensino superior. Atuando no Departamento de Competições da instituição, foi inevitável que o esporte não voltasse a se tornar protagonista em sua trajetória.
“Estava enfrentando o pior momento da minha vida quando tive a oportunidade de trabalhar na FAF. Aqui, pude recomeçar, consegui concluir o ensino superior, hoje sou engenheira, mas por ironia do destino ou simplesmente vontade de Deus, o esporte voltou para minha vida e serviu como terapia. Aqui, tenho amigos leais, que me respeitam e me incentivam, como o Labibio André e Thiago Durante. Me veem como uma profissional em ascensão e isso me motiva todos os dias”, assegura.
O início nos gramados – Ela sempre acreditou que a educação muda vidas e, mesmo atuando somente no setor de documentação da instituição, a agora delegada se matriculou e estudou todos os cursos que pôde sobre futebol, desde arbitragem a marketing esportivo. Alícia detalha seu início como profissional no futebol.
“Eu me dediquei ainda mais aos estudos. Na primeira oportunidade fiz o curso de arbitragem, mais para aprender sobre o meu atual trabalho, mas quanto tive oportunidade eu embarquei. Lembro que minha primeira atuação como delegada foi nas categorias de base, no sub-17, em 2020, antes disso, tive outras atuações como controle de acesso nas partidas. Tudo o que me permitiam fazer ou precisassem da minha ajuda, eu estava lá. Isso me ajudou muito, me fortaleceu”, lembra.
Enfim, em 2023, a vez dela, a delegada Alícia – No dia 9 de fevereiro, às 15h30, Iranduba e Parintins se enfrentaram, em jogo válido pela quarta rodada do Campeonato Amazonense de Futebol Profissional Série A 2023 e, esse dia, hora, local e todos os presentes naquela tarde chuvosa de domingo, no estádio Carlos Zamith, testemunharam muito mais que o placar de 1 a 0 para o Tourão, viram a FAF apresentar a primeira mulher delegada de um jogo de futebol profissional na história do Amazonas, Alícia Rodrigues Marinho é o nome dela. Ao lado do quinteto de arbitragem e do amigo e incentivador, Thiago Durante, ela relembra cada detalhe daquele inesquecível dia.
“Sentimento é de gratidão, aos meus pais por me proporcionarem os melhores ensinamentos e, claro, a todos os que acreditaram em mim, no meu potencial, que depositarem a confiança nesta mulher, mesmo jovem e do interior, o que para muitos seria motivo de desconfiança, na FAF é orgulho e oportunidade. Para uma cabocla que chegou aqui, com o objetivo de crescer, esse momento significou muito. Jamais irei esquecer o que aconteceu naquele dia, desde o frio na barriga, ao tratamento respeitoso que recebi. Eu sei e sinto o peso dessa atitude. Espero que todas nós continuemos tendo chance de mostrar nosso potencial. É uma honra representar a todas nós”, destaca.
Lugar de mulher é no gramado, fora dele e onde ela quiser
A filha da jogadora de vôlei, Maria José e do engenheiro nato, João Marinho, que cresceu no quintal de casa, dividida entre uma quadra e um campo de futebol onde o pai praticava suas habilidades como goleiro, hoje é referência e serve de inspiração para outras mulheres. Ela desbravou um caminho nunca percorrido por uma amazonense. Enfrentou e ainda encara olhares e comentários machistas, mas, nem de longe pensa em desistir, pelo contrário, sonha ver cada dia mais mulheres nos estádios. Afinal, lugar de mulher é no gramado, fora dele e onde ela quiser.
“Todos os lugares são nossos, basta termos capacidade para isso. Ser a primeira delegada de um jogo profissional da história é realizador, mas também é difícil de descrever, pois lembro de quantas de nós sofreram opressão para que estivéssemos com liberdade hoje. Espero que todas continuemos nos realizando, fazendo sucesso, brilhando, mostrando nossos dons. Que possamos cada uma encontrar o seu lugar, onde tenha respeito, paz e felicidade”, finaliza, a menina de Eirunepé.
Fotos: Deborah Melo