Jurada atribui a “cabelos” desconto na nota de Sinhazinha do Boi Brilhante
Justificativa levanta questão sobre padrões estéticos dos itens dos bumbás
“Tirei um ponto, pois acredito que os cabelos também fazem parte do contexto estético da figura e esse quesito deixou a desejar. Poderia ter feito uma trança”. Assim justificou Vanessa Benites a nota atribuída à Sinhazinha da Fazenda do Boi-Bumbá Brilhante, item representado por Scarlett Cauper na disputa dos Bumbás Master A, da Categoria Ouro do 64º Festival Folclórico do Amazonas.
A repercussão da polêmica iniciou na quarta-feira, após a apuração, quando Scarlett tomou conhecimento da justificativa para o 9,9 (nove vírgula nove) – nota atribuída pela primeira jurada do Bloco Cênico/Coreográfico. A FOLHA entrou em contato com Scarlett Cauper, que integra o elenco de itens do Boi Brilhante há oito anos e, atualmente, é acadêmica de Medicina e está atuando como médica interna. “Não fui à apuração porque, infelizmente, tinha compromisso já marcado, mas estava acompanhando à distância e a primeira nota que veio para mim foi o 9.9 e logo que vem essa nota a gente começa a se questionar”, disse Scarlett.
A Sinhazinha do Brilhante revelou a ansiedade pelo resultado, visto que o Festival foi realizado no sábado e a apuração foi somente na última quarta-feira. “Lembro que fiquei triste na hora (da nota) e chorei, claro”, conta, revelando também alívio pelas notas seguintes. “Depois veio 10 e 10, então soube que não prejudiquei o boi diretamente”.
Antes de ler a justificativa da jurada Vanessa Benites, Scarlett Cauper imaginava que o décimo descontado de sua nota seria consequência de outro acontecimento. “Tive um problema com a minha sombrinha que, na hora, o apresentador meio que pegou ela de mim e não sei como isso chegou a aparecer para os jurados, então naquele momento, pensei que fosse ser julgada por isso, por algo que não tivesse funcionado”. Ao tomar conhecimento da justificativa, veio a surpresa.
“Quando chegou a justificativa, a realidade foi outra. No primeiro momento, li e não acreditei no que estava lendo. De verdade, não acreditei. E o que mais creio que me doeu, não sei se li direito, mas está escrito lá, que ela falou que além do meu cabelo não me favorecer, ela acredita que ficaria melhor uma trança. Então me fez voltar, essas palavras como um todo, à minha época do colégio, que ‘cabelo bom era cabelo liso’. Então, eu passei muito por isso. Na época, meu cabelo sempre foi cacheado. Todas as minhas fotos que posto é com meu cabelo natural, não passa por nenhum processo de química, nem nada nele. Cheguei, quando era mais nova, a querer alisar por conta dessa perseguição de cabelo, que não era cabelo bom”, revela.
Scarlett Cauper vai além na análise da nota recebida. “Eu não fui julgada pela minha dança, pelo meu carisma. Eu não fui julgada como item que consta que eu seria julgada. Fui julgada simplesmente por ter o meu cabelo cacheado, por apresentar o meu cabelo natural na arena” desabafa.
Comparação – A FOLHA acompanha a repercussão da justificativa da jurada Vanessa Benites para a nota do item Sinhazinha da Fazenda, representado no Boi Brilhante por Scarlett Cauper. Nas redes sociais, torcedores dos bois de Manaus classificam a justificativa como “absurda” e “ridícula”. A polêmica levanta a questão dos padrões estéticos dos itens dos bumbás, cultura folclórica onde a miscigenação é marcante.
Para efeito de comparação, a FOLHA analisou o perfil do item Sinhazinha da Fazenda representado nos três bumbás que disputaram a Categoria Ouro Bumbá Master A do festival, a partir de imagens da transmissão da TV Encontro das Águas e registros dos fotógrafos Aguilar Abecassis e Rosany Miranda. Além de Scarlett Cauper, pelo Brilhante, representaram o item Vanessa Costa, no Corre Campo, e Ana Beatriz Alves, no Garanhão. Clique na foto para visualizar.
Na análise, é possível constatar que não há um padrão estético para os cabelos das três intérpretes do item nos respectivos bumbás. A visibilidade dos cabelos é muito (quase totalmente) reduzida pela “cabeça” – nome dado ao acessório estilizado, usado sobre os cabelos, em formato de chapéu. O acessório em comum deixa mais expostos os cabelos de Scarlett Cauper do que os das demais.
Jurada – Procurada pela FOLHA, Vanessa Benites disse que a nota atribuída a Scarlett não foi baseada em preconceito com o cabelo. “Não foi nada de preconceito, mas o cabelo faz parte da maquiagem e achei que poderia ter feito algum penteado para compor. Ele (o cabelo) faz parte da beleza plástica e indumentária”, justificou.
A professora pesquisadora do Curso de Dança, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e também Doutora em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP) voltou a defender que a Sinhazinha da Fazenda do Boi Brilhante deveria ter feito algo no cabelo. “Poderia ter feito um penteado de época para harmonizar a beleza plástica. Já que pede (o regulamento) indumentária de época e todo figurino, a maquiagem faz parte da composição levando a beleza plástica”, concluiu.
A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Amazonas também foi procurada pela FOLHA e informou que as justificativas das notas foram entregues aos respectivos bumbás e que, na próxima semana, deverá se pronunciar sobre o caso.
Fotos: Reprodução/Pessoal, Aguilar Abecassis e Rosany Miranda